“Eu sentia muita taquicardia e tinha medo de tudo. Me vinham aquelas crises e eu não conseguia entender o que era. Naquela época, saúde mental não era um assunto tão discutido como hoje”, lembra a manicure e motorista de aplicativo Ione Lais de Almeida, 41 anos. Ela conta que foi diagnosticada com síndrome do pânico em 2021, 15 anos depois do nascimento da segunda filha, hoje com 17 anos. Desde então, ela cria sozinha os três filhos e é uma das 11 milhões de brasileiras que foram mães solo nos últimos anos. Como ela, muitas outras também sofrem impactos da sobrecarga de tarefas e de responsabilidades.
A falta de suporte na maternidade também teve impactos na saúde mental da engenheira química Fabiana Morais, 31 anos. Moradora de Barueri, na Grande São Paulo, ela conta que passou a entender melhor o que sentia somente anos depois, quando começou a fazer terapia. “Ansiedade, raiva, tristeza. Todos os sentimentos vinham misturados e não conseguia perceber cada um deles separadamente. Eu sentia tudo junto, me cobrava muito para ser melhor como mãe, mas vivia com uma angústia enorme. Era tipo nadar, nadar, nadar e morrer na praia”, recorda a engenheira, mãe de Lucas, de 11 anos.
Para ela, toda sua dedicação era em vão. “Parecia que, por mais que eu me esforçasse, não era reconhecida. Me dava uma tristeza ver o pai do meu filho ganhar vários elogios de pai perfeito. Eu, que lutava todos os dias, era somente julgada”, completa.
A maternidade solo, por si só, não é uma condição que provoca o surgimento de transtornos de saúde mental, como explica a psicóloga Marina Cohen, do Hospital Israelita Albert Einstein. No entanto, a sobrecarga que pode surgir a partir dela é um fator importante a ser considerado nos atendimentos. “Os transtornos mentais são sempre multifatoriais. Então, é sempre ideal ter um olhar transversal para a saúde mental. Não é apenas a maternidade solo, mas uma soma de fatores e condições”, diz a especialista.
Segundo a assistente social Aline Cordeiro Moreira, que atua nas unidades do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) administradas pelo Hospital Israelita Albert, essa sensação de sobrecarga é relatada com frequência pelas mães que buscam assistência na rede pública de saúde. “Costumo dizer nos atendimentos que nós não somos guerreiras, mas mulheres sobrecarregadas do cuidado. Sempre falo com essas mulheres sobre o quanto essa sociedade vai colocando a gente nessa condição de sobrecarga”.
Ela comenta que a mulher é condicionada a essa situação de ser responsável pelo cuidado. “Aprende a brincar de boneca, a arrumar a casa, a brincar de fazer a comidinha, a lavar a louça. Então, desde a infância, nós somos treinadas dentro dessa sociedade patriarcal, e isso vem causando uma sobrecarga”, explica a assistente social.
A importância da rede de apoio
Segundo a psicóloga, a principal medida que protege as mães solo dos transtornos de saúde mental é a construção de uma rede de apoio. Formada por um conjunto de laços e vínculos com pessoas e/ou instituições, essa rede pode ser importante quando surgem desafios logísticos, psicológicos e financeiros.
No entanto, para muitas mães, criar uma rede de apoio depende de muito esforço, já que nem sempre há presença familiar – e a figura do parceiro (no caso de casais heterossexuais) é, muitas vezes, ausente. “As pessoas não se envolvem para ajudar, mas para condenar. Eu acho que a sociedade acaba julgando muito uma mãe solteira. Eu tive apoio das pessoas em volta que não eram da família, mas se sensibilizavam e ajudavam”, conta a manicure Ione. Ela lembra de uma vizinha que via sua carga de estresse e se oferecia para cuidar do filho mais velho, enquanto ela estava com a recém-nascida. “Mas não era aquela rede de apoio fixa, que você sempre pode contar”.
Buscar uma rede fora do círculo familiar, como fez a manicure, é uma alternativa sugerida pela psicóloga do Einstein Marina Cohen. A especialista afirma que estimular a criação de grupos de apoio deve ser uma prioridade nas unidades de saúde.
“Esses grupos são um dispositivo muito usado nos serviços de saúde pública para promover esse espaço de troca de experiências e de construção de rede. Esse espaço comunitário é importante porque ali dentro dessa rede, que envolve a escola, os espaços de convivência, as pessoas da comunidade, surgem laços comunitários que ajudam as mães a superarem os desafios logísticos da maternidade solo”, explica a psicóloga.
“Muitas vezes, a primeira coisa que ocorre [com a maternidade solo] é que essa mãe se isola, tanto por estigma quanto porque ela vai perdendo esses vínculos comunitários. É realmente essencial ela ter alguma sensação de pertencimento”, completa.
Aumenta o número de lares chefiados por mães solo
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) revelou que, entre os anos de 2012 e 2022, o número de domicílios com mães solo cresceu quase 18% no Brasil, passando de 9,6 milhões para 11,3 milhões. O estudo considera os domicílios chefiados por mães solo como aqueles em que a pessoa de referência é uma mulher com ao menos um filho e onde não há a presença de um cônjuge.
“O termo mãe solo é mais adequado e abrangente do que mães solteiras para caracterizar a solidão e os desafios que as mulheres sem rede de apoio enfrentam no dia a dia para cuidar de seus filhos”, explica uma das responsáveis pela pesquisa, a economista da FGV Janaína Feijó.
O estudo da FGV também mostrou que, em 2022, cerca de 45% das mães solo que trabalhavam no Brasil estavam no mercado informal. Ione, por exemplo, é um dos casos: ela precisou optar por trabalhar como manicure e motorista de aplicativo para ter renda e, assim, conciliar os cuidados com os filhos e o trabalho sem um horário fixo.
Segundo Feijó, o trabalho informal é muitas vezes a única saída, mas pode significar rendimentos menores e mais instáveis, desprovidos de proteção social. “A mãe solo, ao buscar conciliar responsabilidades familiares e trabalho, tende a procurar ocupações que ofereçam jornadas mais flexíveis.”, afirma.
Para a manicure Ione, as políticas públicas não acompanham as necessidades das mães que criam seus filhos sozinhas. Com os rendimentos e direitos menores que são característicos do trabalho informal, ela conta que é mais difícil pagar por alguns serviços que poderiam facilitar o seu dia a dia:
“Se o governo oferecesse creche em período ampliado, já ajudaria muito. Tem mães que trabalham até às 20h, por exemplo. Quem fica com as crianças depois do horário da escola ou da creche? Ela precisa pagar aluguel, luz, comida e ainda pagar alguém para ficar com o filho depois da creche. É impossível fechar a conta”, diz a mãe de três.
Mesmo trabalhando no mercado formal, a engenheira Fabiana Morais também relata algumas das mesmas dificuldades. Para ela, “o sistema não é pensado para as mães solteiras”, e um exemplo disso é o horário de saída das creches públicas e particulares. “É claro que depende do nosso esforço também, mas se a gente não tiver apoio da família, do governo, de amigos, a gente não consegue dar conta”.
“Eu trabalho de casa e tenho que buscar meu filho na escola, mas alguns dias eu estou em reunião e não consigo sair. Por sorte, eu tenho várias pessoas que podem me ajudar, mas, muitas vezes, elas também estão ocupadas. Então, eu tenho que me sacrificar e sair da reunião. A longo prazo, isso pode me prejudicar no trabalho”, desabafa.
“Em diversas entrevistas de emprego que eu fiz no passado, os entrevistadores não querem saber de você, eles querem saber com quem você vai deixar seu filho, como você vai fazer quando ele ficar doente, e só depois eles vão perguntar das suas competências. Isso é exaustivo porque você se esforça na carreira, mas, no fim do dia, você ainda vai ser vista só como mãe”, finaliza a engenheira.